“A primeira vez que falei com o Marcelo foi no decorrer do concurso do Ministério Público em 2006, no qual ele foi aprovado em quinto lugar. Eu não passei da terceira fase. Lembro-me como se fosse hoje da forma humilde com que ele divergiu do meu posicionamento ao sairmos da prova na qual não obtive êxito. Ele estava ao lado de um amigo comum, com a sua bengala, quando perguntei a ele o que tinha realizado no exame. Não o conhecia pessoalmente, mas tinha ouvido a história de como ele foi realizar a primeira fase muito combalido pela quimioterapia, tendo de ser carregado para chegar à sala onde foi executada a prova. Alguns meses depois, talvez mais de um ano, fui convidado a participar de uma atividade do Opus Dei na igreja da Prainha, chama-se recolhimento mensal, onde um Sacerdote faz uma pregação sobre um tema da doutrina Católica, a fim de os presentes poderem fazer oração. Quando entrei no templo, pela lateral, deparei-me com o Marcelo na primeira fila, para variar sorrindo, com aquela alegria singular. No final, conversamos um pouco e marcamos um almoço. Dai em diante, por aproximadamente seis meses, almocei com o Marcelo praticamente todas as semanas. A sua grande espiritualidade era evidente. Estava sempre alegre, falava com uma mansidão impressionante, mesmo quando conversávamos sobre o câncer contra o qual ele estava lutando. Neste tempo os sintomas tinham sumido, autorizando ele tomar posse como Promotor de Justiça. Nunca ouvi ele falar mal de ninguém. Possuía uma perspectiva otimista de tudo, transmitindo uma paz comovente. Cultíssimo, inteligente, falava um português irrepreensível, o qual eu apreciava muito ouvir. Ligar para ele era um verdadeiro deleite, atendia com um entusiasmo que fazia os amigos se sentirem verdadeiras celebridades: “Nossa que alegria falar com você! Tudo bem! Sensacional você me ligar! Ganhei o dia em receber a tua ligação”, esse era o padrão… A gentileza dele praticamente irradiava pelos buraquinhos do telefone. Uma tarde eu caminhava com o Marcelo pela Bocaiuva, perto da casa da sua avó, e dois rapazes mais jovens, seus amigos, aproximaram-se para conversar e não queriam mais deixar-nos, ficavam olhando para o Marcelo com uma admiração surpreendente enquanto ele falava. Ele ficou constrangido com a situação e, de um modo muito polido, fez com que entendessem que precisávamos conversar de modo mais reservado e os dois jovens partiram felizes. Foi uma situação muito engraçada. Em outras ocasiões voltei a observar como as pessoas gostavam de ficar perto dele. Contaram-me que no fórum da Capital as copeiras teriam apelidado ele de: “O iluminado”, tamanha era delicadeza com que tratava esses profissionais mais humildes. Nos nossos almoços, comia muito pouco, geralmente um punhado de arroz, um dedal de feijão, duas rodelas de tomate e um ínfimo pedaço de carne, lembro claramente; mesmo no período que ele estava bem de saúde, confiante no sucesso do tratamento, seus pratos eram sempre assim, modestos, pareciam feitos para crianças, os quais contrastavam em muito com as minhas refeições substanciosas… Sempre procurava saber como eu estava caminhando na fé, dando-me dicas e conselhos oportunos para avançar. Havia pouco tempo que eu tinha me decidido levar o cristianismo mais a sério e a ajuda dele foi determinante no meu processo de conversão e discernimento vocacional. Certa vez, encontrei com ele na porta da capela do Colégio Catarinense. Recordo de não estar bem espiritualmente naquele dia, parece que ele adivinhou, pois colocou a mão no meu ombro, olhou-me seriamente dizendo: “Vida interior! Vida interior! Depois dirigiu-se sem dizer mais nada até o banco para rezar. Este fato e o olhar dele me marcaram muito. Gosto de dizer que o primeiro livro espiritual católico que eu li, ganhei dele: “O Sermão da Montanha” (George Chevrot). Guardo a obra com muito carinho, sobretudo por conta da dedicatória. Na fase aguda da doença, antes de ser hospitalizado definitivamente, encontrei ele algumas vezes nas missas. Ainda que debilitado pelo tratamento – perdera os cabelos, seu rosto estava bastante inchado, caminhava lentamente – a alegria, a forma serena e educada de falar, continuavam presentes no seu modo especial de ser. Na fase terminal, acalmava os seus familiares e amigos dizendo: “Não se preocupem, para aonde eu vou é bem melhor, estarei com Cristo, com Nossa Senhora e os santos”. Soube mais tarde que ele teria dito inclusive que morreria na quinta-feira santa para ser sepultado na sexta, igual a Jesus…“Ele não era desse mundo” disse-me um amigo uma vez. Concordo plenamente, o próprio grande Mestre nos alertou sobre isso – “…não sois propriedade do mundo; mas Eu vos escolhi e vos libertei do mundo” (João 15:19); o Marcelo, nos últimos anos de vida, evidenciou a sua verdadeira cidadania: de peregrino em direção à pátria eterna, igual a todos nós, embora no mais das vezes, por causa de ninharias que cedo ou tarde se tornarão pó, acabamos por esquecer dessa condição. Rogai por nós, amigo!”
Estou muito feliz e extremamente emocionado em poder relembrar os marcantes momentos que tive como o eterno amigo Marcelo.
Tive a oportunidade de conhecê-lo no concurso de ingresso [do Ministério Público], mas especialmente na primeira prova (prova preambular), a qual é muito longa, tendo duração por todo o dia (algo em torno de 8 a 10 horas, dependendo das regras de cada concurso). Na qualidade de Secretário da Comissão de Concurso, conheci o Marcelo nos corredores da Universidade. Ele apresentava muita dificuldade de locomoção e aparência de um corpo debilitado por alguma doença. No entanto, o seu carisma, o seu carinho e o seu sorriso, fruto da sua elevação espiritual, eram contagiantes. No dia seguinte ao concurso, todos comentavam a respeito do candidato. As observações eram de admiração. Todos, sem exceção, destacavam que o jovem, apesar das dificuldades, não desistiu e tampouco demonstrou cansaço, mesmo tendo participado de um processo estressante, quase uma maratona. Eu, sinceramente, fiquei surpreendido pelo ocorrido. Jamais havia visto uma unanimidade igual àquela.
O concurso seguiu seus trâmites. Marcelo passou a dar demonstração da sua capacidade jurídica, do seu desejo de ser Promotor de Justiça e, principalmente, da sua capacidade de lidar com as adversidades. Naquele momento, Marcelo apresentava melhoras no seu quadro clínico, mas ainda lutava contra a doença que insistia em invadir o seu corpo físico. A impressão sobre o diferencial de Marcelo cada vez fica mais explícito. Naquela fase do concurso não se discutia ou se comentava sobre a doença ou sobre as limitações delas decorrentes. Isso passou ao segundo plano. Todos passaram a contemplar as qualidades da jovem candidato.
Recordo-me que a divulgação do resultado do Concurso foi emocionante. No Auditório Luiz Carlos Schmidt de Carvalho (Promotor de Justiça brilhante, meu amigo pessoal e vítima de acidente aéreo), na Procuradoria-Geral de Justiça, tive a oportunidade de apresentar, em ordem crescente de classificação, o nome dos aprovado no Concurso de Ingresso na Carreira do Ministério Público. Marcelo estava dentre os aprovados. A emoção foi contagiante.
Restava uma nova fase, a nomeação e posse. Certo dia, Marcelo adentrou no meu gabinete e, com um sorriso imenso, sem perder, no entanto, a serenidade, me apresentou a notícia de que ele estava “curado” e que seu médico havia diagnosticado que ele estava apto a tomar posse. Essa foi uma das melhores notícias que eu já recebi. Imediatamente, fui ao gabinete do então Procurador-Geral de Justiça, Doutor Pedro Sérgio Steil, levar a boa nova.
Marcelo tomou posse e, após alguns dias, novamente foi hospitalizado. Depois de um grande período de internação, recebemos, no Ministério Público, a notícia do seu falecimento. A tristeza foi geral. Todos lamentavam, no entanto, durante o velório, era incrível ver as pessoas falando sobre as qualidades de Marcelo. Não se falava sobre outros assuntos.
A sua passagem no Ministério Público foi curta, no entanto os seus exemplos ficarão para sempre. Acredito que no Ministério Público ele teve oportunidade de colocar em prática, de forma efetiva, a sua devoção às causas sociais.
Levarei para sempre a imagem de um Amigo acolhedor, companheiro e capaz de enfrentar dificuldades sem perder a serenidade.
Sandro José Neis
Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de Santa Catarina
Maria Zoê Bellani Lyra Espindola, 34 anos, casada, mestre em direito, analista judiciário no Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região.
Amiga do Marcelo. Convivência no jardim de infância, na Faculdade de Direito, no Mestrado em Direito, no Movimento de Emaús.
Conheci o Marcelo quando ainda éramos muito pequenos, aos 6 anos, e frequentávamos a escola católica Curso Elementar Menino Jesus, em Florianópolis, no ano de 1986. Já nessa época Marcelo demonstrava interesse por causas relacionadas ao bem comum, o que não é habitual em crianças desta idade. Lembro-me que por ocasião da eleição para prefeito, Marcelo opinava com convicção sobre quem seria o melhor prefeito, e dava as suas razões (e por coincidência, ou não, naquele ano, o “candidato” do Marcelo venceu as eleições – o prefeito Edison Andrino). Outro fato marcante desta época era o entusiasmo com que Marcelo cantava as músicas religiosas na escola. Sendo um colégio católico, na hora da saída íamos a fila com o livreto de canto na mão, cantando pelos corredores até chegar no pátio da escola. Uma música em especial ficou marcada em minha memória, em razão do amor com que Marcelo a entoava: Um Jovem Galileu. E sempre que a escuto, não posso deixar de me lembrar do saudoso amigo.
Após aquele ano, Marcelo mudou de escola e não o vi mais. Mas tinha deixado tantas impressões em minha alma que, cerca de 4 anos mais tarde, reconheci-o quando veraneava com sua família no Clube 12 de Agosto em Jurerê. E mais ainda, cerca de 7 anos após este último contato visual, reconheci-o(à distância) mais uma vez quando, no ano de 1995, fomos prestar vestibular por experiência para o curso de Direito, na Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC).
A partir do ano de 1997, tendo ambos ingressado no curso de Direito da UFSC, passamos a conviver diariamente na mesma turma, a 97/1.
No primeiro semestre da faculdade, Marcelo já demonstrava possuir um conhecimento e uma linguagem incomuns para um jovem da sua idade. Ficaram na memória as discussões, muitas vezes um tanto exaltadas, com o professor de Economia Política, já que o docente era partidário das teorias marxistas e Marcelo se declarava um liberal incondicional. Nesta fase, a política e a economia eram seus principais objetos de estudo e pode-se dizer que Marcelo defendia seus pontos de vista com muito rigor e até com impaciência.
Mas a paixão pelo saber e a busca de uma intensa formação intelectual foram revolucionadas pelo profundo processo de conversão interior que se iniciou no segundo semestre da faculdade, quando Marcelo aceitou o convite feito pelo saudoso Monsenhor Francisco de Sales Bianchini, então diretor espiritual do Movimento de Emaús em Florianópolis, para fazer a experiência de Deus através do Curso de Valores Humanos e Cristãos do Emaús.
Assim, o 50º Curso Masculino de Emaús, realizado no período de 28 a 31/08/1997 (no qual recebeu o sacramento do Crisma tendo por padrinho o Monsenhor Bianchini), proporcionou-lhe um encontro pessoal, único, com o Cristo Senhor, dando um sentido novo a sua existência e, consequentemente, à sua busca intelectual que passou a consubstanciar-se, sobretudo, no acesso à verdade dAquele com quem se encontrou.
De fato, no segundo semestre da faculdade Marcelo voltou diferente. Nas conversas entre as aulas passou a falar de Deus e da alegria que sentia ao ter descoberto um novo sentido para sua vida. Continuava com muito interesse e aptidão para os estudos, mas já não procurava impor aos outros as suas teses, optando por ouvir as razões alheias. Demonstrava um encantamento com a vida cristã que passava a assumir e convidava outros colegas, com entusiasmo, a realizarem a experiência de Deus no retiro de Emaús.
E assim Marcelo teve um papel importantíssimo na minha conversão. Eu seguia a religião católica por tradição familiar, tendo, inclusive, já recebido o sacramento do Crisma, mas andava afastada da vida sacramental. Era o segundo semestre de 1998, e eu andava muito triste com o rumo que estava seguindo meu namoro com um colega de nossa turma, cogitando mesmo mudar para a religião luterana para acompanhar o rapaz(que era luterano) e não perdê-lo. Foi então que ouvi Marcelo conversando com uns amigos no bar da faculdade: “Jesus Cristo é a pessoa mais importante para mim”, disse ele em alto tom. Aquelas palavras, tão profundas e convictas, entraram como uma flecha na minha alma. Como um jovem poderia dizer que Deus, a quem ele não vê, seria a pessoa mais importante da sua vida? Mas, por algum motivo, aquilo começava a fazer sentido para mim. Precisava buscar a fonte desta convicção, aquilo que o enchia de alegria e paz. Sabendo que o Marcelo havia participado do curso de Emaús, dirigi-me a ele e pedi que me inscrevesse, me apresentasse como sua afilhada. Confesso que ele até se surpreendeu com o meu pedido, pois até então nunca havíamos falado abertamente de Deus. Mas, enfim, a presença de Deus que irradiava no Marcelo fez com que eu me sentisse atraída para o encontro de Emaús, que seria para mim, como para tantos jovens, um marco na caminhada cristã, o princípio do retorno para a casa do Pai.
E assim, tanto no Movimento de Emaús como na faculdade, pude ser testemunha do crescimento humano e espiritual do Marcelo.
Como estudante, aplicava-se ao máximo, preparava com propriedade seus trabalhos e apresentações, era assíduo e pontual, permanecendo até o final das aulas mais cansativas…e das matérias consideradas menos importantes. Durante alguns semestres, antes de ingressar no estágio do Ministério Público Federal, integrou o PET(Programa Especial de Treinamento), um grupo de estudos avançados.
Era extremamente amável, bondoso e cordial com os colegas, oferecendo-se todos os dias para dar carona para um grupo de amigos que moravam perto da casa da sua avó(para onde ele ia após a aula) e que não possuíam carro, dentre os quais eu me incluía.
No Movimento de Emaús, foi extremamente assíduo nas reuniões do grupo de jovens no qual participava, o grupo São Paulo, tendo sido, inclusive, seu presidente e por longa data, até quando precisou afastar-se por problemas de saúde. Era, também, palestrante assíduo nos cursos, nas reuniões de grupo e Escola Missionária do Movimento. Marcelo foi se destacando pelo seu imenso saber e seu imenso amor a Deus, e sua fala estava sempre repleta de entusiasmo e convicção.
Marcelinho, como era carinhosamente chamado pelos amigos, costumava saudar a todos desejando “Paz e Bem”. Estudioso profundo e autodidata da doutrina católica mantinha uma postura firme face às propostas ou ensinamentos contrários jamais transigindo com o erro em questões de fé e moral, esclarecendo as fontes bíblicas e magisteriais que revelavam o ensinamento correto, ao mesmo tempo em que o fazia com mansidão e humildade de coração.
Marcelo utilizava um vocabulário rico e extenso, não falava gírias vulgares, e sua postura e feição eram amáveis, acolhedoras. Um perfeito cavalheiro.
Apesar disso, e do seu porte físico esguio(não se pode dizer que era um rapaz atlético), não hesitou em socorrer um pai de família que estava prestes a ser surrado em razão de uma briga no trânsito. Isso ocorreu na ocasião em que Marcelo e eu nos dirigíamos para o CAP(Centro Arquidiocesano de Pastoral) para levar uma colega de turma para fazer a entrevista para o Curso feminino de Emaús. Estávamos em frente ao Largo São Sebastião, quando dois carros quase colidiram na esquina da Avenida Gama D´Eça com a Rua Bocaiúva. Em um dos carros estava uma família de quatro pessoas, pai, mãe e duas crianças, e no outro carro apenas um homem. Os dois homens saíram dos carros e aquele que estava sozinho partiu para cima do pai de família para espancá-lo. Para minha surpresa e de minha amiga, Marcelo correu em disparada na direção do homem e agarrou-o por trás, imobilizando seus braços acima do pescoço, enquanto a mãe de família, chorando, puxava o marido para dentro do carro para irem embora. Marcelo evitou a briga, conversou com o rapaz que, em seguida entrou no carro e foi embora mais calmo.
De fato, Marcelo não se preocupou em levar uns safanões, não ficou indiferente, intervindo com coragem e caridade para evitar um desfecho trágico.
Seu amor à Igreja foi intensificando-se. Esse amor levou-o a defender com heroísmo a Santa Igreja perante os colegas universitários e professores, todas as vezes em que era injustamente atacada.
Em uma ocasião, em especial, o zelo pela Igreja levou-o a uma discussão de mais de uma hora com o professor de Direito Tributário, na nona fase do curso. O professor manifestava que, na Idade Média, a Igreja Católica, por seu clero, utilizava o trabalho dos servos, um regime próximo da escravidão e que a Igreja levou milhares de pessoas aos Tribunais da Inquisição. Marcelo não se furtou em questionar o professor e, com muito domínio de conteúdo e firmeza tentou demonstrar que os servos não eram escravos e que a Igreja Católica não teria utilizado e explorado o regime escravocrata, bem como que eram as autoridades civis que condenavam as pessoas na Inquisição, e não a Igreja Católica. Marcelo não baixou a guarda e não se intimidou com a posição de superioridade do professor, ainda que temesse que esta discussão refletisse nas suas notas. Na aula seguinte ambos conversaram sobre o assunto e assumiram humildemente a postura de se desculparem, ainda que cada um permanecesse com as suas convicções. Mantiveram, após o episódio, uma convivência cordial, de respeito mútuo. O professor esteve presente no enterro do Marcelo.
Terminada a faculdade, tive nova oportunidade de conviver diariamente com Marcelo no Mestrado em Direito, testemunhando sua aplicação nos estudos e seu heroísmo na defesa da Santa Igreja Católica. Na medida em que buscava a fundamentação para as questões morais levantadas na filosofia de São Tomás de D´Aquino, alguns colegas diziam que Marcelo seria a “versão atual” daquele santo. Concluiu o curso em exíguo espaço de tempo, obtendo a nota máxima.
Já no final da faculdade Marcelo conheceu o Opus Dei, e foi quem iniciou a divulgação da espiritualidade da Obra para os jovens do Movimento de Emaús, dentre os quais eu me incluía(atualmente sou cooperadora da Obra). Marcelo se apaixonou pela proposta de santidade de São Josemaría Escrivá, um caminho de virtudes humanas e sobrenaturais.
O ideal de santificação das atividades temporais cotidianas, sobretudo do trabalho profissional – preconizado por São Josemaria Escrivá – foi vivido intensamente por Marcelo na medida em que soube transformar as realidades humanas da família, da profissão, do estudo, do lazer, da amizade e do descanso, em locais privilegiados de encontro com Deus.
No desejo de conduzir e oferecer o trabalho profissional para Deus, Marcelo avançou na formação intelectual buscando sempre aperfeiçoar o conhecimento adquirido, não para sua vanglória, mas para poder melhor servir.
Nos anos de 2003/2004, atuou como professor substituto da UFSC nos cursos de Direito e Economia. Em 2004, ainda, foi contratado pelo curso de Direito do Instituto de Ensino Superior da Grande Florianópolis (IES) e Faculdade de Santa Catarina (FASC).
Marcelo marcou profundamente as pessoas que com ele conviveram, não somente pelo seu conhecimento incomum, mas por não se importar em “gastar” tempo com os familiares, colegas de trabalho, alunos e amigos. Assim, além da sua completa dedicação ao trabalho profissional e religioso, são características marcantes do seu ser, a palavra acolhedora, o sorriso encantador, o companheirismo, a disposição em ajudar, a riqueza de sentimentos em seu coração, sem contar a fé viva e inabalável, o intenso amor a Deus.
Enfrentou uma dura provação a partir de setembro de 2004, quando, subitamente, perdeu os movimentos das pernas necessitando ser internado, com urgência. Nesta ocasião, recebeu o diagnóstico de linfoma linfoblástico (Linfoma não-Hodgkin), um tipo de câncer que se origina no sistema linfático, disseminando tumores que se desenvolvem, principalmente, no tórax (região denominada mediastino).
Necessitando afastar-se do trabalho como docente, indicou-me para substituí-lo no IES e na FASC. Assumi suas turmas de Direito Civil no segundo semestre de 2004, oportunidade em que pude verificar o imenso prestígio e admiração dos alunos e demais profissionais da casa para com sua pessoa.
Com o auxílio incansável da família e dos amigos, com a confiança filial na Providência Divina, enfrentou com surpreendente e contagiante serenidade o longo processo de luta pela vida, que durou cerca de 4 anos, realizando muitos exames e coletas de sangue, quimioterapia e radioterapia, experimentando medicamentos e tratamentos, submetendo-se a prolongadas internações e até a um auto transplante de medula óssea, em novembro de 2007, quando a doença já havia atingido a corrente sanguínea, sendo diagnosticada a leucemia.
De fato, aqueles que o visitavam no hospital saíam confortados e impressionados com sua paz e seu otimismo. Já nos primeiros dias que se seguiram à primeira internação no Hospital Celso Ramos, foi solicitado que cessassem as visitas, tamanho o fluxo de gente que o vinha visitar.
Marcelo buscava a perfeição nos seus afazeres, por amor, porque sabia que isto era agradável a Deus. Conseguiu, em meio a suas atividades profissionais, à vida social e à dor, manter a alma contemplativa, a presença de Deus, através do cumprimento heroico de um plano de vida que comportava, dentre outros compromissos, a diária recepção da Eucaristia, a oração do terço e a meditação, bem como a busca periódica da direção espiritual e da confissão.
Tendo sido uma testemunha muito particular da vida do Marcelo, compartilhando momentos da sua infância, da sua juventude na faculdade de Direito, no mestrado, no Movimento de Emaús e no Opus Dei, consequentemente testemunhando sua conversão e o enfrentamento da enfermidade, bem como ante a vivência cristã sacramental que o Senhor me permite desenvolver, creio firmemente na santidade de vida deste amigo, a ponto de, mesmo sendo casada e mãe de três filhos, com atividade profissional, disponibilize tempo e esforços para esta causa, trabalhando na busca de elementos que possibilitem a formalização do processo de beatificação.
Timbó, 27 de setembro de 2013.
Maria Zoê Bellani Lyra Espindola
O Marcelo foi um presente que Deus me deu. Filho maravilhoso, o maior elogio que eu posso dar é dizer que foi um filho que nunca me deu uma tristeza, uma contrariedade, uma preocupação, a não ser, é claro, a época da doença dele, que era uma preocupação diária e uma tristeza imensa.
O Marcelo foi uma criança tranquila, foi pra creche cedo, foi bem novinho porque eu trabalhava o dia todo. Fazia as peraltices, coisa de criança.
Na época do primário foi tranquilo, sempre gostou de estudar.
Ele mudou muito mesmo a partir da minha separação. De menino, passou a tomar uma postura de adulto. A impressão que dava era que ele queria tomar o lugar do pai, queria ser o responsável por tudo. Quando eu chegava do serviço ele sentava e perguntava pra mim como tinha sido o meu dia e se eu precisava de alguma coisa, se a família precisava de alguma coisa.
Amigo, companheiro, confidente. Eu aprendi muito com o Marcelo, pois era uma pessoa que guardava segredo como ninguém. Poderia contar o que fosse pra ele e se pedisse segredo ele não falaria nem sob tortura.
Nunca precisei brigar com o Marcelo.
Chegou uma época na doença dele que a gente se entendia pelos olhos. Eu achava isso tão legal, porque aconteciam algumas coisas ele me olhava e eu o olhava e eu sabia o que ele estava me dizendo e ele sabia o que eu queria dizer. Nessa época a gente ficou mais unido do que já era porque a gente se entendia com o olhar. Era impressionante.
Um dia eu tava sentada, pensando, muito triste com medo de perdê-lo e ele olhou pra mim e disse: “O que é mãe? O que estás pensando?” e eu disse que não era nada, coisas que precisava fazer em Florianópolis quando voltasse para casa, aí ele disse: “Mãe, imagina, se aqui já é bom, como não será do outro lado? Eu tenho certeza de que é muito melhor”.
Nunca se queixou de NADA. Muito pelo contrário. Quando ele me via pra baixo, triste, ele tentava me levantar, conversar sobre outras coisas, pedia para eu ler para ele. Mas nunca se queixou de coisa alguma.
O dia que o médico disse pra ele, “Marcelo, você está com leucemia”, ele respondeu: “Então, qual é o procedimento? O que vamos fazer? Daqui para frente, como vai ser o tratamento?”
Ele não queria que as pessoas soubessem da leucemia, para não preocupar mais ninguém. Eu queria ressaltar a força dele, pois ele recebeu a má notícia e não se abalou.
Ele encarou a doença com muita resignação, muita fé, muita esperança, muita vontade de viver e de ficar bom. Uma vez, ele pediu pro médico assistente apressar a sua cura porque queria ficar bom logo, pois tinha muita pressa.
Ele tinha uma expressão que eu achava engraçada: “não vou gastar tempo, perder tempo com isto ou aquilo”. Tinha prioridades.
Sinceramente, eu nunca vi ninguém com tanta fé. Nunca vi ninguém acreditar tanto, entender tanto. Era uma fé inabalável. Nunca vi o Marcelo ter dúvidas.
E era uma fé vivida no cotidiano. Às vezes eu saía atrasada, um carro me dava uma fechada e eu ia atrás, corria e fazia a mesma coisa. Ele me dizia: “Não faz isso, mãezinha, vamos fazer o seguinte, vamos rezar uma Ave-Maria por ele, pra que Deus ilumine os caminhos dele e faça-o ser uma pessoa melhor”. Com essa maneira dele ser eu até parei de perseguir os outros e hoje eu rezo uma Ave-Maria no trânsito, quando alguém me prejudica.
A religiosidade dele era muito aplicada, vivida na prática do dia-a-dia, concreta. É muito fácil águem se dizer cristão, ir na igreja, rezar, ter o momento de oração na missa, mas ser uma pessoa que critica, que julga, pensa e fala mal dos outros. Ele não, ele vivia a fé completamente. Não julgava, não criticava.
Ele acordava e dizia que era o momento heroico, porque, obviamente em razão da doença havia dias em que ele não estava com disposição pra acordar, mas que pedia a Deus que o levantasse e o conduzisse para um bom dia.
Vinha para a sala, sentava no sofá e fazia as orações, as leituras. Acordava sempre uma hora antes dos compromissos para poder realizar o seu ritual de oração. Depois tomava o café e ia fazer o que tinha que ser feito.
Todos os dias ele ia à missa. Ou às 6h30min da manhã, na Trindade, ou às 17h, no asilo Dom Joaquim. Inclusive hoje eu estou tentando ir à missa todos os dias no asilo, pois me sinto muito bem naquela igreja, parece que sinto a presença dele.
À noite ele jantava, tomava banho, lia alguma coisa do serviço dele, depois sentava no sofá e ficava mais ou menos uma hora fazendo as suas orações.
Muitas vezes íamos para o centro de carro, rezando o terço, pois assim ele propunha.
Ele valorizava muito a família. Adorava juntar todos para fazer tertúlia no terraço ou na garagem.
Ele era muito diferente. Parecia que não veio para esse mundo para ficar muito tempo. Ele veio pra prestar uma contribuição, para fazer o bem, para abrir os olhos de muita gente. Eu me arrependo muito, eu devia ter aprendido muito mais com ele. Gostaria de ter a metade dos sentimentos dele. Não falo nem da parte da cultura, mas do ser humano. Ele sabia escutar e entender os outros como ninguém. Já visse alguém terminar um namoro e levar para a moça um buquê de rosas?
Tinha muito senso de humor.
Ele tinha uma necessidade muito grande de ser perfeito. Perfeição no sentido humano. Eu acho que ele queria ser uma pessoa completa para poder passar isso para os outros, para poder ajudar. Essa era a busca dele.
Ele dizia: “mãe, precisamos evangelizar”. Mas não era da boca para a fora, como a maioria das pessoas, ele tinha a vivência.
A busca dele era o bem-estar do outro, a ajuda, levar algo de bom para alguém.
Marcelo foi o melhor presente que eu ganhei de Deus.
Tem um funcionário meu que diz: “professora, se conforma, ele não era pra esse mundo”.
Mas pra mim, o mundo ficou sem cor. Eu tenho que continuar a ser mesma, porque meu filho Murilo não merece. E eu peço muito a Deus pra Ele me ajudar a não questionar.
A saudade não passa, muito pelo contrário, aumenta. Mas tenho que aceitar o desígnio de Deus.
O Marcelo está muito vivo dentro de mim.
Ele era realmente diferente.
No dia da sua morte, ele estava em coma e muito ofegante. Eu segurei na mão dele e disse: meu filho vai com a Nossa Senhora. A mãe tá te entregando pra Nossa Senhora… de agora em diante ela é tua mãe lá no céu..vai… e aí ele foi. Eu nunca pensei que eu fosse ter forças para dizer isso… mas eu senti que ele estava precisando disso…
Um dia eu tive um sonho que me encheu de paz. O Marcelo estava feliz em um lugar muito bonito e ele me dizia, cheio de entusiasmo: “Consegui, mãe, eu sou santo! Eu sou santo!”
1) Gostaria que a sra. falasse do jeito especial de ser do Marcelo. Como era ele na infância:
Dona Mary: Muito queridinho, uma criatura muito boa. A gente saía com ele pra passear, sempre pertinho da gente com muito carinho. Nunca me chamou de vó, me chamava de minha vozinha, e eu fazia tudo que era possível por ele, porque eu simplesmente o adoro. Uma vez ele era ainda pequeninho e a Leatrice estava dando de mamar para o Murilo e ele se engasgou(Murilo) e a Letrice brigou, ralhou com ele. O Marcelo pegou uma trouxinha, botou mamadeira, uma fraldinha e um bico e saiu porta afora dizendo assim. A moça chegou e perguntou: “onde é que tu vais, meu filho?” “Pois eu vou pra casa da minha vozinha.” E essas coisas todas, na hora dele fazer a faculdade ele vinha aqui pra casa e eu me levantava todo dia às 3h da madrugada, fazia lanche pra ele, ele via aquelas aulas todas na televisão, estudava, tomava o seu cafezinho que eu fazia sempre com muito carinho, com muito amor e tudo, e a locinha que ele usou neste tempo todinho permanece nas minhas coisas guardadas. Eu tenho uma porção de roupas dele aqui na minha casa guardadas com muito carinho e tudo. Um menino muito bom. Marcelo não era criatura para estar neste mundo. De jeito nenhum. Era uma criatura muito boa. Ele sentava naquele sofá rezando e eu chegava pra dizer alguma coisa pra ele e ele dizia assim: “Vozinha, não é assim, deixa pra lá, deixa, não estás me perturbando na oração, não, porque contigo estou muito bem, mas deixa vozinha, não te queixa, deixa pra lá isso, que não é bem assim. Nunca falava de ninguém. Ele sempre tinha uma palavra de perdão, conciliava pra cá, pra lá, dizia não é assim, essas coisas todas assim. Muito carinhoso com a minha irmã, muito bom, muito bom mesmo. Uma criatura, meu Deus, a gente pensa, pensa, pensa e diz como Deus, na sua infinita bondade pôde arrancá-lo do nosso seio. Mas os desígnios de Deus são impenetráveis, né, então a gente tem que aceitar. Quem somos nós pra recriminar os atos de Deus, verdade?
2) Por que a senhora diria que ele era especial?
Dona Mary: Em tudo. Em tudo. Em bondade, em caráter, em amizade, em amor ao próximo, tudo, tudo, tudo. Não tem no vocábulo português algo que defina.
3) O que a sra. teria pra falar da vida religiosa dele?
Dona Mary: Muito religioso, muito piedoso, uma criatura muito boa. Todo dia ele recitava o rosário aqui neste sofá, rezava e eu dizia: “querido, não te esquece da vó” e ele “eu não vou me esquecer da minha vozinha”. Muito carinhoso, muito bom. Até uma vez ele saiu, quando estava melhorzinho, em uma reunião ali perto do ginásio Catarinense, um cafezinho com diversos amigos e caiu um pouco a temperatura, então um dos amigos arrancou a jaqueta e botou nas costas para ele não se resfriar. Até hoje esta jaqueta está embrulhada em um armário, ninguém usa, estou só guardando esta jaqueta.
O que mais eu posso dizer do meu neto. Foi uma criatura extremamente carinhosa, muito bom. E no trabalho, nossa. Tanto que uma vez ele chegou aqui e disse, “vou te contar uma coisa. Imagine a sra. que tinha um preso e esse preso voltou novamente pra prisão.” Aí quando acabou a reunião lá dos juízes, com esse e com aquele, ele tirou a toga e foi na cela falar com o preso: “Meu filho, te regenera, tens tua mãe, tens teu pai, tens teus irmãos, tu és tão moço, te pega com Deus que Deus vai te ajudar, Deus vai te orientar. Se tiveres um amigo que não tem um caráter firme, um caráter bom, desvia dele e segue o caminho bom. Sempre na mão de Deus que tudo vai dar certo pra ti.” Esse caso que eu sei que ele falou pra mim.
4): E no período da doença. Como ele enfrentou?
Dona Mary: Eu ia duas três, quatro vezes lá. A comidinha dele eu que fazia. Levantava às 5h da manhã e fazia a comidinha dele e mandava nas marmitinhas porque ele não podia mais suportar a comida de hospital, né. Fazia a comidinha e mandava. Comeste, meu amor? “Comi”. E ele tinha um sinalzinho preto e eu me sentava do lado do braço dele, e ficava o tempo todinho do lado dele alisando aquele sinalzinho que ele tinha, com bastante carinho.
E também em outra ocasião que nós estávamos no hospital entraram dois advogados e aí disseram assim: “Marcelo, nós viemos aqui falar contigo pra ver o que é que tu achas que nós devíamos fazer com esta pessoa.” Aí o Marcelo disse assim: “Espera, deixa eu refletir um pouco. Quanto tempo vocês deram pra ele?” Eles disseram: “Ele está julgado em 5 anos a 6 anos.” Aí ele disse assim: “Mas ele é uma pessoa tão boa, aquilo foi um lapso que ele fez. Vê se vocês agora em outra reunião(pra dar o veredito, né) vocês botem para dois anos. Ele é tão moço e tem que fazer a vida dele, no convívio da família.” Esse também é outro caso de que eu lembro. Me marcou muito.
E da doença dele, eu sofri como um cão. Passava noites e noites em claro, rezando, pedindo a Deus, a Nossa Senhora, que vissem que ele era uma criatura tão boa, tão santa, para Deus levá-lo assim tão cedo. Uma criatura bonita, tão cheia de vida. Eu há muito tempo, agora já não escuto mais, mas até alguns meses atrás ele batia na porta e eu sentia direitinho. Abria a porta e não era ninguém.
Como aluno foi excelente, tanto na escola primária quanto na faculdade, sempre foram palavras elogiosas.
5) E como ele enfrentou o sofrimento?
Dona Mary: Muita resignação e muita coragem. Muita fé, muita fé. Eu perguntava: meu querido como é que tu estás? E ele dizia: “eu tô ótimo, vó, eu tô ótimo”. Quando ele saiu do hospital veio pra cá e eu modifiquei o quarto aqui, os amigos vinham visitá-lo, ficou quase um mês e meio aqui comigo, eu fazendo tudo pra ele, comidinha, fazendo e acontecendo. A Leatrice vinha todo dia, toda hora e todo instante. Aí então ele dizia, “se eu saio eu não volto” com um humor que é uma beleza, então em uns dois ou três dias teve aquela recaída, foi pro hospital aqui do Celso Ramos, ficou naquela coisa de vidro assim, a gente não podia ver, só no vidro, Deus me livre. Depois melhorou, foi pra Curitiba, fez transplante, fez isso, fez aquilo, o médico disse que ele tava curado, e pra gente ele tava no auge. Aí o pai levou o papel pra ele assinar e ele botou quinze dias, que dentro de quinze dias ele assumiria, e dentro de quinze dias ele já estava no outro mundo. Isso, minha filha, é duro.
6) E com os amigos, ele era um bom amigo?
Dona Mary: Ótimo, aqui em casa uma vez eles fizeram, pediram ordem porque esse prédio é muito chato e o síndico daquela época era muito chato. Aí eu pedi ordem, vieram os amigos, as amigas aqui, eu fiz um café gostoso, cantaram, brincaram, na maior alegria possível. Fiz isso umas duas ou três vezes. E vinham, quando ele estava aqui, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, vinham aí, ficavam, conversavam com ele. Quando estava bem disposto, ele levantava, quando não tava, ele ficava na cama, arrumadinha, e os amigos vinham visitá-lo muito.
7) A senhora lembra de algum conselho que ele tenha dado?
Dona Mary: Conselho?
Eu tinha segredos com ele que acho que ele nunca falou pra ninguém e eu tenho segredos que nunca falei pra ninguém no mundo. E ele também tinha. Eu desabafava com ele porque eu não tenho ninguém pra desabafar, a única pessoa era minha irmã, mas agora ela tem Alzheimer, não tenho ninguém(…) então eu curto sozinha, ou então às vezes eu falo com ele: Marcelo, o que vc acha? Aí eu falo assim com ele. Eu durmo com ele toda noite embaixo do meu travesseiro e tenho uma amiga do lanche, que gostava muito dele e então ela me diz: “Dona Mary, eu não posso me lembrar do Marcelo, me dá uma tristeza que a senhora não imagina” ela começa a falar assim. Então no último lanche que nós tivemos ela disse assim, “tenho uma coisa pra contar pra senhora. Eu tava pra fazer um negócio, uma arrumação”, qualquer coisa que eu não me lembro que coisa era, e ela olhou a fotografia do Marcelo e disse “Marcelo, vem pro meu lado, não te esquece de me ajudar, hein? Será que não vai dar certo, Marcelo? Será que não vai dar certo?” E ela disse que aquilo, foi, foi, foi que ela tá até hoje, pra ver. Tudo isso.
8) E no período final da vida dele, a senhora lembra dele ter se queixado?
Dona Mary: Nada. Muita resignação, muita fé em Deus, muita, muita, muita. Nunca, nunca ele disse alguma coisa contra Deus. Eu não, eu já brigo(…)e ele “vozinha, por favor vozinha, não faz assim”. Mas ele, não, sempre com resignação, muita fé, mas muita fé. A fé dele era inabalável, inabalável.
9) A senhora lembra de algum conselho que ele tenha dado nos momentos finais da vida?
Dona Mary: Ele dizia pra mim sempre: “vó, eu quero dizer uma coisa pra ti, eu tenho muita pena de ti, pois tu és uma criatura muito boa(…) então quando fizerem as coisas contigo, deixa pra lá, vozinha, não liga, vó, sê superior, entrega nas mãos de Deus, entrega nas mãos de Deus que é a melhor coisa que tu fazes.”
Agora, um dia antes, quando ele quase nem falava, ele já tava em coma e eu não sabia, não sabia porque eles não me contam nada(…)aí como eu tava dizendo, eu fiquei lá, fiquei lá o tempo todinho na beira da cama dele, com a mão agarrada nele assim e falando com ele: responde a vozinha, não vais falar, querido? Mas eu não sabia, não tinham me dito. Quando eu fui de tarde outra vez com a minha filha no hospital, dentro de quinze ou vinte minutos, ele se foi.
Que foi dura a cana, foi. Muito dura a cana. O que eu passei, não foi fácil.
10) E o que ficou dele, pra senhora?
Dona Mary: Tudo. As boas ações, os momentos de conversa(…), falava, desabafava com ele(…), tudo, tudo, tudo. Era uma pessoa, te digo no bom português, fora de série. Não é por ser meu neto, não, mas é uma criatura muito querida. Abalou muita gente, muitas, muitas pessoas. Todas as minhas amigas que conheciam ele ficaram arrasadas, e diziam, meu Deus como pode ser isto, meu Deus como pode? Eu fiquei meio doida, pensar em nunca mais ver aquela pessoa na vida, só por fotografia. Meu Deus(…).
11) O que o Marcelo mais buscava na vida?
Dona Mary: Estudo e religião. Primeiro de tudo era a religião, depois era o estudo. Toda hora, quando ele não estava rezando, ele estava com um livro, vendo e acontecendo, examinando, lendo aqueles processos, tudo, tudo.
Dona Mary: Eu fui a casa dele, ele me chamou e me pegou pela mão e disse, isso depois dele ter feito operação e tudo, disse: “olha o que eu fiz, custou caro”, era um móvel, uma estante, ali então ele botou todos os livrinhos, todos os santinhos dele. E eu disse: Marcelo, como é que vais estudar com tudo isso? E ele dizia “vó, eu tenho que deixá-los aqui, porque eles também cooperaram comigo e para me ajudarem”.
Aí então, eu falando com a Leatrice, por que tu não daí daqui, vai pra cidade, vai ser muito melhor pra ti. E ela disse: “eu não saio pelo seguinte, eu não quero desmanchar o quarto do meu filho, não quero desmanchar”. Então está tudo como ele deixou. Os santinhos, tudo, tudo, tudo.
12) Antes de ficar doente, qual era a rotina dele, desde o momento em que acordava até a hora de dormir? Como preenchia o dia?
Dona Mary: Estudando, nunca deixou de estudar. Ia diariamente à missa, à sua comunhão. Dava a comunhão na Igreja dos Ingleses. Era uma criatura que procurava ajudar os outros, de uma maneira ou de outra. Nunca se perguntou ou se falou uma coisa pro Marcelo que ele dissesse: não dá. Em absoluto. Sempre, sempre, sempre.
Eu tinha um consórcio, e eu tinha um carro. Não sou rica, mas miserável também não sou. Aí eu dei o carro pro Marcelo. E ele disse: “vó, deixa mais alguns anos, eu vou te retribuir o carro com um passeio, nós vamos à Europa”(…) Muito querido o meu neto(…) É muito difícil a gente encontrar hoje em dia pessoas assim, boas, humanas, caridosas, existem, mas está muito difícil.
13) A senhora diria que ele tinha o comportamento de uma pessoa santa?
Dona Mary: Impecável, em tudo. No se vestir, sempre com simplicidade, no jeitinho dele. Foi uma perda, só Deus que sabe.
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